A ‘sociedade do cansaço’: como a Filosofia explica nossas doenças modernas

As doenças de que padecemos não nascem no vácuo. Para Byung‑Chul Han, um renomado filósofo sul‑coreano, radicado na Alemanha, professor de Filosofia e Estudos Culturais na Universidade das Artes de Berlim, elas são sinais do nosso tempo, gravados no corpo e na alma conforme mudam os modos de organização social e poder. No século XIX, a lógica disciplinar, com suas prisões, hospitais e fábricas, gerou patologias como histeria e neurose, enfermidades configuradas por um excesso de “não”, por um regime de proibições e vigilância externa. Essas doenças expressavam a tensão de um sujeito submetido, controlado, reprimido.

Com a revolução industrial e o século XX, a repressão disciplinar deu lugar a um modelo produtivo que, embora menos visível, exigia adaptação à rotina mecanizada das fábricas. Surgem então a depressão “clássica” e as psicoses, manifestações de um desajuste entre o indivíduo e um ritmo de vida impessoal e acelerado .

Hoje, porém, estamos imersos no que Han chama de “sociedade do desempenho”: não somos mais reprimidos por agentes externos — somos nós mesmos, através do imperativo da eficiência e da multitarefa, que cultivamos nossos próprios limites. Vivemos em um ambiente saturado pela positividade: somos livres para fazer, mas essa liberdade se converte em um tirano interno que nos impõe sempre mais. Na linguagem de Han, o sujeito de desempenho é “senhor e escravo”, “carrasco e vítima”, porque se explora e se cobra impiedosamente.

É essa lógica que alimenta as doenças neuronais da modernidade: burnout, depressão, ansiedade, TDAH, transtornos de personalidade limítrofe, não causados por vírus ou bactérias, mas por um “excesso de positividade” que esgota o sujeito. Não é a repressão que mata, mas o excesso de performance, a compulsão em dizer sim o tempo todo, sem qualquer espaço para o não.

Essa positividade produz uma “violência do positivo” que não reprime, mas desgasta. Não exclui, mas esgota. Não pune, mas satura. E seu efeito é solitário, pois cada indivíduo enfrenta sua hiperatividade interior sem a mediação do outroo que aprofunda sentimentos de culpa e fracasso pessoal quando não se consegue mais corresponder aos próprios padrões.

O que Han propõe, sem oferecer um manual de resistências, é a busca por uma vida contemplativa: valorizar o “ócio”, recuperar o silêncio, restabelecer espaços para o vazio, movimentos que rejeitam a lógica da produtividade incessante e nos reencontram com o pensar lentamente.

Assim, permanecemos com uma questão urgente: se as doenças são reflexo da estrutura social, então não podemos tratá-las apenas individualmente. Mudar o modelo de sociedade é condição necessária — embora não suficiente.


Alex filósofo

O jornalista Alex Filósofo (DRT: 2255/MA), professor e apaixonado pela Filosofia, também é empreendedor, blogueiro e graduando em Marketing Digital. Além disso, se destaca como ativista social e cultural. Sua formação intelectual, influenciada pelos pensamentos de grandes nomes da filosofia e da política, resulta em uma crítica sempre desafiadora e esclarecedora.

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