A Prefeitura de São José de Ribamar, na Região Metropolitana de São Luís, aparece no centro de uma polêmica que mistura gestão orçamentária, política e suspeitas eleitorais. Documentos oficiais mostram que a Secretaria Municipal de Educação (SEMED) teria empenhado R$ 8,1 milhões em 27 de março de 2025, quando o contrato nº 149/2025 — no valor de R$ 11,6 milhões com a Editora Cactos — só seria assinado dias depois, em 1º de abril.
O ajuste, realizado por inexigibilidade de licitação, destina-se à compra de coleções didáticas e materiais pedagógicos financiados com recursos do FUNDEB, fundo federal voltado exclusivamente à educação básica.
O nó jurídico e orçamentário
Ainda que a Prefeitura possa alegar que os empenhos tenham sido feitos como mera reserva orçamentária, auditores apontam que a prática supostamente contraria a legislação financeira. A Lei nº 4.320/1964 e a Lei de Licitações (14.133/2021) determinam que empenhos devem estar vinculados a uma obrigação já existente — ou seja, a um contrato válido.
Quando emitidas antes da assinatura contratual, as Notas de Empenho teriam sido lançadas sem cobertura jurídica adequada, o que, em precedentes do TCU, já foi interpretado como falha grave de planejamento ou até mesmo irregularidade na execução da despesa.
Política no horizonte
O episódio não ocorre em um vácuo administrativo. O filho do prefeito de São José de Ribamar é pré-candidato a deputado estadual em 2026, e investigações contra o gestor municipal permanecem paralisadas em órgãos de combate à corrupção.
Nesse contexto, a movimentação de valores tão expressivos em período pré-eleitoral provavelmente levanta suspeitas. Analistas políticos ouvidos veem na operação indícios que poderiam, hipoteticamente, ser interpretados como um mecanismo de financiamento paralelo de campanha — o chamado caixa 2.
A Editora Cactos e as inconsistências
O contrato com a Editora Cactos também chama atenção pelo formato. Embora a inexigibilidade de licitação tenha sido justificada pela suposta exclusividade dos materiais, o processo inclui marcas de terceiros, o que teria fragilizado a tese de inviabilidade de competição. Além disso, documentos da empresa apresentam inconsistências: em alguns momentos aparece como LTDA, em outros como EIRELI, estrutura societária já extinta.
Outro ponto sensível é a discrepância entre o capital social declarado da empresa, de apenas R$ 97 mil, e o contrato firmado, superior a R$ 11 milhões. Embora capital social não seja sinônimo de patrimônio, especialistas destacam que a diferença hipoteticamente exigiria garantias adicionais para evitar risco de inadimplência.
O que dizem os órgãos de controle
O caso envolve recursos do FUNDEB, o que coloca a situação sob a competência de órgãos federais. O Tribunal de Contas da União (TCU) já consolidou entendimento de que empenhos anteriores à assinatura contratual podem configurar ato antieconômico. O Ministério Público da União (MPU) e a Polícia Federal (PF), por sua vez, têm atribuição para investigar eventual desvio ou uso indevido de recursos da educação.
Hipoteticamente, se confirmada a suspeita de que o contrato teria servido de instrumento para fins eleitorais, o episódio poderia configurar crime contra as finanças públicas e ato de improbidade administrativa.
A sombra do caixa 2
O que poderia ser apenas mais um contrato educacional passou a ser interpretado como um teste da integridade institucional em Ribamar. Entre empenhos supostamente antecipados, inconsistências jurídicas e a coincidência com o calendário eleitoral, o episódio abre margem para hipóteses que vão além de falhas técnicas.
A proximidade da eleição estadual e a pré-candidatura do filho do prefeito ampliam o peso político da situação. Se houver indícios de que o contrato foi utilizado para irrigar estruturas de campanha, estaríamos diante de um caso clássico de suposto caixa 2 eleitoral, com potencial de abalar não apenas a gestão municipal, mas também a disputa política no Maranhão em 2026.