Por: Prof. Dr. Raimundo Castro
O Sampaio Corrêa não é apenas um clube de futebol. É um mosaico de histórias, memórias e afetos que atravessam gerações. É herança cultural de um povo que aprendeu a cantar suas vitórias e resistir às derrotas embalado pelas encarnado, verde e amarelo. Mas, neste momento, a Bolívia Querida vive o mais duro dos embates: não o que acontece nas quatro linhas, mas aquele que se trava nos bastidores, contra o silêncio, contra o descaso, contra o autoritarismo travestido de gestão.
O que vemos hoje é um clube sufocado por sucessivas prorrogações de mandatos, por decisões tomadas de forma arbitrária, por uma lógica de poder que transforma uma instituição coletiva em propriedade de poucos. A essência democrática do esporte foi capturada, e o torcedor — este verdadeiro dono — tornou-se mero expectador de um processo que o exclui e o humilha.
Não estamos diante de uma mera disputa administrativa, mas de uma crise institucional profunda. A gestão que se perpetua por quase duas décadas, e pretende ficar por mais de duas décadas, sem abrir espaço para alternância e renovação, trai os princípios mais elementares da democracia esportiva. A transparência cedeu lugar à opacidade. A participação, ao silenciamento. E a esperança, ao desalento.
As rádios que ainda ousam dar voz ao povo denunciam dia após dia a agonia do Sampaio. Mas são poucas. A maioria dos microfones cala, seja por conveniência, seja por medo, seja por cumplicidade. Nesse cenário, o silêncio não é apenas ausência de som: é estratégia de poder. Quem cala, consente. Quem se omite, alimenta a permanência da crise.
O torcedor, no entanto, não se cala. Ele grita nas arquibancadas, nos corredores das rádios independentes, nas redes sociais, nas ruas. Ele grita que o Sampaio não pode ser tratado como negócio privado, mas como patrimônio público-cultural do Maranhão. Ele grita que a perpetuação no poder não é sinônimo de estabilidade, mas de decadência.
É nesse cenário que o Ministério Público surge como última trincheira. E é à 6ª Promotoria de Justiça de São José de Ribamar que se dirige este apelo. Pois o que está em jogo não é apenas a sobrevivência de um clube, mas a garantia de que princípios constitucionais sejam respeitados.
A Constituição é clara: a gestão democrática e a participação são fundamentos da vida coletiva. A Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023) estabelece, em seus artigos 4º, 17 e 43, que entidades esportivas de utilidade pública devem obedecer a critérios de governança, transparência e prestação de contas. O Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003) reforça que o torcedor não é consumidor passivo, mas sujeito de direitos. E o Profut (Lei nº 13.155/2015) vincula benefícios fiscais à adoção de práticas responsáveis de gestão.
Ora, quando esses princípios são violados, não se trata de um simples problema interno. É a própria ordem jurídica que está sendo afrontada. Cabe, portanto, ao Ministério Público — guardião da legalidade e defensor do interesse coletivo — intervir para restaurar a dignidade do clube e devolver o poder a quem de direito: o povo.
Mas este apelo não é apenas jurídico. É também poético. Porque falar do Sampaio é falar de poesia encarnada em cores. É falar de uma massa que, mesmo nos piores momentos, ressentiu-se, isolou-se, mas nunca abandonou seu clube. É falar de crianças que aprenderam a conjugar a palavra vitória ao lado da palavra resistência.
E o que é mais trágico: hoje essa poesia está ameaçada. O Sampaio, que deveria ser símbolo de união, tornou-se metáfora de exclusão. Um clube que já ergueu taças nacionais agora é refém de práticas anacrônicas que o impedem de sonhar.
É como se a cada prorrogação de mandato, a cada decisão tomada à revelia da coletividade, um pedaço da alma da Bolívia fosse arrancado. E é preciso dizer: nenhum ditador resiste tanto tempo sem que o silêncio cumpra papel de cúmplice.
O tempo é cruel quando se trata de futebol. Cada dia de omissão é um dia em que o clube perde sócios, torcedores, credibilidade, patrocinadores. Cada semana sem decisão é um pedaço da história que se apaga. Cada mês que passa sem ação firme é um passo a mais rumo à ruína.
Por isso, o apelo à 6ª Promotoria é também um apelo à urgência. A demora em agir pode tornar irreversível o processo de destruição. E quando a ruína se consolidar, não adiantará lamento.
Este texto é mais que denúncia: é um grito. Um grito que ecoa das arquibancadas vazias, dos rádios independentes, das ruas da cidade. Um grito que diz: não aceitamos mais a perpetuação no poder, não aceitamos mais a falta de transparência, não aceitamos mais o desrespeito ao torcedor.
E esse grito se dirige ao Ministério Público, que tem em suas mãos a possibilidade de transformar silêncio em ação, omissão em coragem, descrença em esperança.
Ao final, resta apenas um pedido simples e profundo: devolvam o Sampaio ao seu povo. Não deixem que a história da Bolívia querida seja escrita por mãos que a tratam como propriedade privada. Não permitam que a paixão de milhares de maranhenses seja reduzida à lógica de mandatos sucessivos e arbitrários.
Que a 6ª Promotoria de São José de Ribamar se erga como guardiã da legalidade, mas também como guardiã da poesia do futebol. Que compreenda que, ao intervir, não estará apenas aplicando a lei, mas restaurando a esperança.
Porque o Sampaio Corrêa é mais que futebol. É símbolo de resistência, é patrimônio coletivo, é metáfora de um povo que não se rende. E um povo que não se rende não merece o silêncio das instituições.
Que o Ministério Público ouça este apelo. Que a justiça se faça verbo. Que o Sampaio volte a ser do povo. Pois quando o clube retorna às mãos da coletividade, o que se devolve não é apenas um time, mas um pedaço de alma.
Prof. Dr. Raimundo Castro
Professor Titular do Departamento de Matemática do IFMA, Campus São Luís – Monte Castelo; Torcedor Apaixonado do Sampaio Corrêa; Membro do Movimento “Sampaio é do Povo”.